quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Testamento de Auguste Rodin - Pai da escultura moderna.

JOVENS QUE DESEJAIS ESTAR ENTRE OS CELEBRANTES DA BELEZA. TALVEZ VOS AGRADE ENCONTRAR AQUI UM RESUMO DE UMA LONGA EXPERIÊNCIA.


Amai com devoçāo os mestre que vos precederam.

Inclinai-vos diante de Fídias e Michelangelo. Admirai a divina serenidade de um, a feroz angústia do outro. A admiraçāo é um vinho generoso para espíritos nobres.
Entretanto, preservai-vos de imitar os mais velhos. Respeitosos da tradiçāo, sabeis discernir o que ela encerra de eternamente fecundo: o amor à Natureza e a sinceridade. Sāo essas duas paixões dos gênios. Todos adoraram a Natureza e nunca mentiram. Deste modo, a tradiçāo vos estende a chave graças a qual podereis evadir-vos da rotina. É a própria  que vos recomenda a interrogar incessantemente  a realidade e que proíbe de vos submeter cegamente a qualquer mestre.
Que a Natureza seja sua única deusa. Nela depositaí uma fé absoluta. Estaí certos de que ela nunca  é feia e limitaí vossa ambiçāo a lhe ser fiéis.
Tudo é belo para o artista, pois em todo o ser e em toda a coisa, seu olhar penetrante descobre o caráter, isto é,  a verdade interior que transparece sob a forma . E essa verdade  é a própria  beleza. Estudaí religiosamente — nāo  podereis deixar de encontrar  a beleza, porque encontrareis a verdade.
Trabalhais obstinadamente.

Estatuários, fortificais em vós o sentido da profundidade . O espirito dificilmente se familiariza com essa noçāo. Ele só representa distintamente superfícies, sendo-lhe difícil imaginar formas em espessura. Aí esta, portanto, a vossa tarefa. 
Antes de tudo, estabelecei nitidamente os grandes planos das figuras que esculpis. Acentuai vigorosamente a orientaçāo que dais a cada parte do corpo, à cabeça, aos ombros, à bacia e às pernas. A arte exige decisāo. É pela fuga bem acentuada das linhas que mergulhais no espaço  que vos apoderais da profundidade. Quando vossos planos se fixarem, está tudo descoberto. Vossa estátua já vive. Os detalhes nascem e, em seguida, ordenam-se por se mesmo.
Enquanto modelais, nāo penseis jamais em superfície, mas em relevo .
Que vosso espírito conceba toda superfície como a extremidade de um volume que empurra por trás. Imaginais as formas como se estivessem apontadas para vós. Toda a vida surge de um centro, depois germina e desabrocha de dentro para fora. Do mesmo modo, na boa escultura, advinha-se sempre um poderoso impulso interior. É o segredo da arte clássica.
Vós pintores, observai, da mesma forma, o real em profundidade . Olhai, por exemplo, um retrato pintado por Rafael. Quando esse  mestre representa um personagem de frente, ele faz o peito fugir obliquamente e é assim que dá a ilusāo  da terceira dimensāo. Todos os grande pintores sondam o espaço. É na noçāo de espessura que reside a sua força.
Lembrai-vos disso: nāo há traços, só volumes. Quando desenhais, nunca vos preocupeis com o contorno, mas com o relevo, É o relevo que rege os contornos.

Exercitai-vos sem descanso. E preciso acostumar-vos à profissāo.
A arte nāo é senāo sentimento.. Mas sem a ciência dos volumes, das proporções, das cores, sem a destreza da māo, o sentimento mais vivo paralisa-se. O que aconteceria com o maior poeta em um pais estrangeiro cuja a língua ele ignorasse?
Na nova geraçāo de artistas há um grande número de poetas que, infelizmente, se recusa a aprender a falar. Por isso, nāo fazem mais que balbuciar.
Paciência! Nāo conteis com a imaginaçāo. Ela nāo existe. As únicas qualidades  do artista sāo: sabedoria, atençāo , sinceridade e vontade. Cumprir vossa tarefa como operários honestos.

Jovens, sedes verdadeiros. Porém, nāo significa: sede banalmente exatos. Há uma exatidāo elementar — a da fotografia e do modelado. A arte só principia com a verdade interior. que todas as suas formas , todas as suas cores traduzam sentimentos.
O artista que se contenta com o  trompe-l’oleil (tipo de pintura que produz ilusāo de ótica), e que reproduz servilmente detalhes sem valor, nunca será um mestre. Se visitaste algum campo santo da  Itália, provavelmente observastes a puerilidade com que os artistas encarregados de decorar os túmulos limitam-se a copiar, em suas estátuas bordados, as rendas, as tranças de cabelo. Não são verdadeiros, já noque não se dirigem à alma.

Quase todos os nossos escultores lembram os do cemitérios italianos. Nos monumentos de nossas praças públicas, distinguimos apenas sobrecasacas, mesas, veladores, cadeiras, máquinas, globos e telégrafos. Nada de verdade interior, logo nada de arte. Desprezai esses trastes.

Sede profundamente, ferozmente verídicos. Nunca  hesiteis em expressar o que sentis, mesmo quando vos opuserdes às idéias prontas. Talvez não sejais logo compreendidos. Mas vosso isolamento terá curta duração. Amigos logo virão procurar-vos — pois o que é profundamente verdadeiro para um homem  o é para todos. 
Contudo, nada de caretas ou contorsões para atrair o público — simplicidade, singeleza!

Os temas  mais belos encontra-se diante de vós: são os que conheceis melhor.

Meu caríssimo e extraordinário  Eugène Carrière, que tão cedo nos deixou. Deu mostras de gênio ao pintar sua mulher e seus filhos. Bastou-lhe celebrar o amor maternal para ser sublime. Os mestres são os que olham com seus próprios olhos  o que todos viram e que sabem perceber a beleza do que é demasiado comum para os outros espíritos.
Os maus artistas vêem sempre com os olhos de outrem.
O essencial é emocionar-se, amar, esperar, vibrar, , viver.
Ser homem antes de ser artista!  A verdadeira eloquência zomba da arte. Retomo aqui, o exemplo de Carrière. Nas exposições, a maior parte dos quadros é apenas pintura — os dele, no meio dos outros, pareciam janelas abertas para a vida!

Acolhei as críticas justas. Ireis facilmente reconhecê-las.
São aquelas que vos confirmarão  uma dúvida que já vos assalta. Não vos deixeis atingir por aquelas que vossa consciência não admite.
Não temais as críticas injustas. Elas revoltarão os vossos amigos, forçando- os a refletir sobre a simpatia que tem por vós e que manifestarão com mais segurança quando dela melhor discernirem os motivos,
Se o vosso talento é novo, só contareis no primeiro momento com poucos partidários e tereis uma quantidade de inimigos. Não vos desencorajeis. Os primeiros triunfarão — pois eles sabem porque vos amam — os outros ignoram porque vós lhes sois odiosos. Os primeiros são apaixonados pela verdade para a qual recrutaram, incessantemente, novos adeptos — os outros não testemunha qualquer zelo duradouro por sua opinião falsa. Os primeiros são tenazes, os outros vão ao sabor dos ventos. A vitória da verdade é certa.
Não percais vosso tempo a estabelecer relações mundanas ou políticas. Vereis muitos de vossos confrades chegarem ás honrarias e  à fortuna pela intriga — não são verdadeiros artistas. Alguns são, no entanto, muito inteligentes e se vos empenhardes a lutar com esses  pseudos-artistas em seu próprio território, ireis consumir tanto tempo quanto eles, isto é, toda a vossa existência: não vos sobrará, portanto, mais um minuto para ser artista. 
Amai apaixonadamente vossa missão. Mais bela não há; é muito mais elevada do que o vulgo possa crer.
O artista dá um grande exemplo. Ele adora o seu ofício — sua mais preciosa recompensa é o prazer de trabalhar bem.
Atualmente que tristeza! Os operários são persuadidos, para a sua infelicidade, a odiar seu trabalho e a sabotá-los. O mundo só será feliz quando todos os homens tiverem sua alma de artista, que quer dizer, quando todos encontrarem prazer em sua tarefa.

A arte é, ainda, uma magnífica lição de sinceridade.

O verdadeiro artista expressa sempre o que pensa com o risco de sacudir todos os preconceitos estabelecidos. 
Ele ensina, assim, a franqueza aos seus semelhantes.
Ora, imaginemos que maravilhosos progressos se realizariam repetidamente se a verdade absoluta reinasse entre os homens.

Ah! Com que presteza a sociedade se livraria dos erros
e deformidade que tivesse confessado 
e com rapidez nossa terra
se tornaria um Paraíso!

AUGUSTE RODIN 

Extraído do livro Auguste Rodin  — A Arte — Conversa com Paul Gsell.
Tradução de Anna Olga de Barros Barreto — Editora  Nova Fronteira.

RELEVO

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